A fome, a guerra <br>e as políticas católicas

Jorge Messias

«As crises anár­quicas, o de­sem­prego e a mi­séria das massas ope­rá­rias e cam­po­nesas as­sustam os donos do mundo ca­pi­ta­lista e fazem com que temam pela ma­nu­tenção dos pró­prios fun­da­mentos do sis­tema. Daí provém a sua prá­tica de re­cor­rerem à co­la­bo­ração do apa­relho do Es­tado bur­guês a fim de ate­nu­arem as con­tra­di­ções mais agudas da eco­nomia ca­pi­ta­lista e de fa­zerem re­cair sobre os tra­ba­lha­dores todo o peso da crise» (I. Kou­ze­minov, «O Ca­pi­ta­lismo Mo­no­po­lista do Es­tado»).

«Os grandes ban­queiros cal­culam que o mon­tante das ri­quezas do Va­ti­cano se si­tuem entre os dez e os quinze bi­liões de dó­lares. A Santa Sé tem grandes in­ves­ti­mentos em bancos mun­diais, grupos se­gu­ra­dores e im­por­tantes em­presas trans­na­ci­o­nais de pro­dutos quí­micos, aços, cons­trução civil, imo­bi­liário, etc. Con­si­de­rando, apenas, os di­vi­dendos destes in­ves­ti­mentos, cal­cula-se que eles possam manter de pé todas as obras de be­ne­fi­cência ca­tó­licas! Estes di­vi­dendos são pagos aos papas. Só João Paulo II tinha, quando fa­leceu, mais de mil apar­ta­mentos da ci­dade de Roma re­gis­tados em seu nome» (Je­ni­papo News, «Va­ti­cano tem Pa­tri­mónio ines­ti­mável»).

«A Nova Ordem será con­du­zida por um Go­verno Mun­dial e por uma uni­dade de sis­tema mo­ne­tário cons­ti­tuída por ban­queiros he­re­di­tá­rios auto-se­lec­ci­o­nados entre os seus pares, como acon­tecia na Idade Média. O resto da po­pu­lação será con­di­ci­o­nada por li­mi­ta­ções ao nú­mero de fi­lhos, por do­enças, guerras e fomes, até ao má­ximo de 1 bi­lião de seres con­si­de­rados úteis para a classe do­mi­nante» (Dr. John Co­leman, «A Hi­e­rar­quia dos Cons­pi­ra­dores», 1992).

No plano das afir­ma­ções bom­bás­ticas, as cú­pulas da Igreja pro­curam li­vrar-se do dis­curso res­se­quido do so­bre­na­tural. Re­co­nhecem, agora, que todo o mundo ca­tó­lico en­frenta uma crise de des­crença na sua vo­cação. Aceitam, aber­ta­mente, na­ve­garem no velho barco do ca­pi­ta­lismo. E os car­deais já não des­mentem se­quer que corrói a Igreja uni­versal uma crise par­ti­cular que é sim­ples com­po­nente das di­fi­cul­dades in­trans­po­ní­veis que o ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista atra­vessa.

Acres­centam ob­ser­va­dores ita­li­anos que o que se passa no ac­tual con­clave é uma ca­ri­ca­tura de toda a hi­e­rar­quia ca­tó­lica, do­mi­nada pela cor­rupção, pelas tra­paças e pelo be­li­cismo.

Com efeito, as con­tra­di­ções da Santa Sé são per­ma­nentes. Por exemplo, o pa­pado propõe a adopção da de­mo­cracia di­recta em todos os países en­quanto avança com pro­postas de um go­verno único mun­dial e com um só líder; de­clara-se con­dutor das lutas contra a guerra e con­fessa deter enormes massas de ac­ções nas bolsas de ar­ma­mentos; ou afirma-se juiz moral nos tri­bu­nais mun­diais que re­primem a droga, a vi­o­lência, a por­no­grafia e a cor­rupção, mas ad­mite, quando de­nun­ci­adas obli­qua­mente, prá­ticas das ins­ti­tui­ções ca­tó­licas fi­nan­ceiras que en­volvem a ma­ni­pu­lação dos cha­mados pro­dutos tó­xicos e en­volvem má­fias or­ga­ni­zadas, so­ci­e­dades se­cretas, sis­temas fi­nan­ceiros e go­ver­na­men­tais cor­ruptos as­so­ci­a­ções ca­ri­ta­tivas e... assim por di­ante.

Tudo isto po­deria pa­recer sim­ples­mente má língua se, como an­ti­ga­mente, a fun­da­men­tação das acu­sa­ções es­bar­rasse com o atraso das tec­no­lo­gias da co­mu­ni­cação. Mas já não é assim. No caso do Va­ti­cano, pre­sen­te­mente, a di­fi­cul­dade apenas re­side no tema a se­lec­ci­onar para a de­núncia, tantos eles são! Eis um só exemplo mais.

O Banco do Va­ti­cano (IOR ou Ins­ti­tuto de Obras Re­li­gi­osas) de há muito tempo se en­contra mer­gu­lhado em su­ces­sivos es­cân­dalos fi­nan­ceiros. Assim, quando Jo­seph Rat­zinger foi pro­cla­mado papa Bento XVI, em 2005, um dos seus pri­meiros actos pú­blicos foi o des­pe­di­mento de todos os fun­ci­o­ná­rios ad­mi­tidos ao longo do ma­gis­tério de João Paulo II. Apa­ren­te­mente, o novo papa queria criar um cordão de se­gu­rança em torno do pas­sado cor­rupto da ins­ti­tuição.

As me­didas to­madas por Bento XVI, no en­tanto, che­garam tarde de­mais. Um jor­na­lista ita­liano, Gi­an­luigi Nuzi, en­trou na posse de um vasto ar­quivo se­creto que se apressou a co­piar. O Va­ti­cano, S.A. é um longo es­tendal de «roupa suja» onde tem lugar tudo quanto é crime, desde as ali­anças per­versas à pe­do­filia, à pros­ti­tuição, ao roubo fiscal, aos des­fal­ques, à prá­tica dos offshores, ao trá­fico de in­fluên­cias ou, pura e sim­ples­mente, aos crimes de morte!

Tudo isto é muito… mas há muito mais.

Ten­temos traçar um sim­ples es­boço da forma como é pos­sível usar a fome e a mi­séria para au­mentar os lu­cros de al­guns.



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